Confinamento precoce (parte 7 - O código da persuasão)
A noção de tempo e distância se perdeu no espaço que percorri caminhando sem direção. Lisboa anoiteceu em poucos passos.
Eu estava perdido em um único pensamento.
Decodifiquei a persuasão. Foi esta a distração inebriante que me acompanhou no sobe e desse das vielas mal iluminadas.
A chuva fina fazia as calçadas refletirem as luzes mornas dos postes. Era a minha iluminação profissional.
Uma boca-de-lobo na quadra à frente deixava vazar uma luz azul. O sinal de Wagner que poucos conheciam estava dado.
Parei em cima do bueiro e olhei entre os pés. A luz passava entre as guitarras penduradas no subsolo e subia já fraca pela grelha da tampa, rente à calçada.
Era raro aquele sinal. A luz azul chegando sutil ao nível da rua vinda de uma loja subterrânea de instrumentos significava uma noite rara.
Wagner era específico em seus sinais e sabia fazê-los rodar por bocas e ouvidos bem escolhidos. Eu me sentia especial por isso.
Aquele sinal significava que ele queria ouvir ideias e estava disposto a pagar por elas.
Falar com alguém capaz de entender o valor daquela informação demandava cuidado.
A vantagem em revelar o código à Wagner era que ele conhecia moedas mais atraentes que o dinheiro.
Era arriscado pelo mesmo motivo. Um afago bem feito no ego deixaria a mente inobservável.
Foi Vera quem me recebeu no Portão de fundos do prédio de Wagner. Sua capa-de-chuva era uma espécie de sobretudo com capuz.
O modo como ela se vestia, a luz do prédio ao fundo, o desenho da fachada, a chuva fina e densa, tudo fazia a cena parecer um sonho repetido.
– O que você está fazendo aqui uma hora dessas? – Vera perguntou sorrindo.
Identifiquei a voz naquele contra-luz escuro. O som do salto no chão molhado se aproximava.
A despeito da atmosfera misteriosa, ela não fez nenhum suspense. Aproximou-se e me deixou ver seu rosto.
Era a mais bela das enfermeiras que cuidariam de mim no Hospital São José. Ela não sabia, mas eu já a conhecia.
– Você sabe o que significa estar aqui, senão não estaria.
Seu modo de olhar, o sorriso envolto por um liso batom vermelho, o ajeitar do cabelo loiro sob o capuz. Sem sombra de dúvida, Vera era o primeiro afago de Wagner.
Eu entendia, porém, cada elemento que me roubava a atenção. Identificá-los era como brincar.
Já no hall do prédio, perguntou o que se passou comigo para meu rosto e voz estarem distorcidos.
Contei do derrame e ela me desejou sorte. Fiquei sem saber se era sorte para a conversa com Wagner ou para a recuperação.
Minha cama parou ao meu lado feito um brinquedo de parque de diversão. Joguei minha bengala, sentei-me de lado e deitei-me em seguida.
Um invólucro se expandiu saindo debaixo da cama e a protegeu da chuva, transformando-a numa cabine-cama teleférica.
Quando a cama ganhou certa altitude e saiu flutuante dos fundos do prédio, uma noite clara se revelou. Céu limpo e estrelas com lua quase cheia.
Primeiro, um som de estática em cima da mim, dentro da cabine. Em seguida, a voz de Wagner vindo da mesma direção.
Deitado, eu admirava o visual. À minha volta, lá fora, o hobby de Wagner.
– A resposta está no céu -foi a primeira fala dele.
Som de estática.
(Continua.)

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